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agora só me resta despedir-me até um dia, Até um dia, Tenha cuidado, O mesmo
digo eu, Boas noites, Boas noites. O comissário pousou o telefone. Tinha diante
de si uma longa noite e nenhuma maneira de a passar a não ser dormindo, se a
insónia não vier meter-se na cama com ele. Amanhã, provavelmente, virão buscá-
lo. Não se apresentou no posto seis-norte como lhe tinham ordenado, por isso
virão buscá-lo. Talvez uma das chamadas que apagou dissesse isso mesmo,
talvez o avisassem de que os enviados para o prender estarão aqui às sete horas
da manhã e de que qualquer intento de resistência só tornaria irremediável o mal
já feito. E, claro, não precisarão de gazuas para entrar porque trarão a chave. O
comissário devaneia. Tem ao alcance da mão um arsenal de armas prontas para
disparar, poderá resistir até ao último cartucho, ou, pelo menos, vá lá, até à
primeira cápsula de gás lacrimogéneo que lhe lançarem para dentro da fortaleza.
O comissário devaneia. Sentou-se na cama, depois deixou-se cair para trás,
fechou os olhos e implorou ao sono que não tardasse, Bem sei que a noite ainda
mal começou, pensava, que ainda há alguma claridade no céu, mas quero dormir
como parece que dorme a pedra, sem os enganos do sonho, encerrado para
sempre num bloco de pedra negra, ao menos, por favor, se mais não puder ser,
até de manhã, quando me vierem acordar às sete horas. O sono ouviu-lhe o
desolado chamamento, veio
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a correr e deixou-se estar por ali uns instantes, depois retirou-se para que ele se
despisse e metesse na cama, mas logo regressou, não tardou quase nada, para
durante toda a noite permanecer ao seu lado, afugentando os sonhos para longe,
para a terra dos fantasmas, lá onde, unindo o fogo com a água, nascem e se
multiplicam.
Eram nove horas dadas quando o comissário despertou. Não estava a chorar,
sinal de que os invasores não haviam utilizado os gases lacrimogéneos, não tinha
os pulsos algemados nem pistolas apontadas à cabeça, quantas vezes nos vêm
os temores amargurar a vida e afinal não tinham fundamento nem razão de ser.
Levantou-se, fez a barba, asseou-se como de costume e saiu com a ideia posta
no café onde na véspera havia tomado o pequeno-almoço. De passagem comprou
os jornais, Já pensava que hoje não viria, disse o empregado do quiosque com a
cordialidade de um conhecido, Falta aqui um, notou o comissário, Não saiu hoje, e
a distribuidora não sabe quando voltará a publicar-se, talvez para a semana,
parece que lhe caíram em cima com uma multa das pesadas, E porquê, Por causa
do artigo, aquele de que se fizeram aquelas cópias, Ah, bom, Aqui tem o seu saco,
hoje só leva cinco, vai ter menos que ler. O comissário agradeceu e foi à procura
do café. Já não se lembrava de onde estava a rua e o apetite aumentava a cada
passo, pensar nas torradas fazia-lhe crescer a água na boca, desculpemos a este
homem o que à primeira vista há-de parecer uma deplorável gulodice imprópria da
sua idade e da sua condição, mas há que recordar que ontem já levava o
estômago vazio quando foi para a cama. Encontrou finalmente a rua e o café,
agora está sentado à mesa, enquanto espera passa os olhos pelos jornais, eis os
títulos, em negro e vermelho, para que fiquemos com uma ideia aproximada dos
conteúdos respectivos, Nova Acção Subversiva Dos Inimigos Da Pátria, Quem
Pôs A Funcionar As Fotocopiadoras, Os Perigos Da Informação Oblíqua, De Onde
Saiu O Dinheiro Para Pagar As
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Fotocópias. O comissário comeu lentamente, saboreando até à última migalha,
incluso o café com leite está melhor que o da véspera, e quando chegou ao final
da refeição, estando o corpo já refeito, recordou-lhe o espírito que desde ontem se
encontrava em dívida com o jardim e com o lago, com a água verde e com a
mulher do cântaro inclinado, Tanto desejo de lá ir, e afinal não foste, Pois agora
mesmo irei, respondeu o comissário. Pagou, juntou os jornais e pôs-se a caminho.
Poderia ter tomado um táxi, mas preferiu ir a pé. Não tinha mais nada que fazer e
era uma maneira de gastar o tempo. Quando chegou ao jardim foi sentar-se no
banco onde havia estado com a mulher do médico e conhecera de verdade o cão
das lágrimas. Dali via o lago e a mulher do cântaro inclinado. Debaixo da árvore
fazia ainda um pouco de fresco. Tapou as pernas com as abas da gabardina e
acomodou-se suspirando de satisfação. O homem da gravata azul com pintas
brancas veio por trás e disparou-lhe um tiro na cabeça.
Duas horas depois o ministro do interior dava uma conferência de imprensa. Vinha
de camisa branca e gravata preta, e trazia na cara uma expressão compungida,
de profundo pesar. A mesa estava coberta de microfones e tinha por único
ornamento um copo de água. Atrás, como sempre pendurada, a bandeira da pátria
meditava. Senhoras e senhores, boas tardes, disse o ministro, convoquei-vos aqui
para vos comunicar a infausta notícia da morte do comissário que havia sido
encarregado por mim de averiguar a rede conspirativa cuja cabeça dirigente, como
sabeis, já foi denunciada. Infelizmente não se tratou de um falecimento natural,
mas sim de um homicídio deliberado e com premeditação, obra, sem dúvida, de
um profissional da pior delinquência se tivermos em consideração que uma só
bala foi suficiente para consumar o atentado. Escusado seria dizer que
imediatamente todos os indícios apontaram a que se tenha tratado de uma nova
acção criminosa dos elementos subversivos que continuam, na nossa antiga e
infeliz
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capital, a minar a estabilidade do correcto funcionamento do sistema democrático,
e, portanto, operando friamente contra a integridade política, social e moral da
nossa pátria. Não creio ser necessário sublinhar que o exemplo de dignidade
suprema que acaba de nos ser oferecido pelo comissário assassinado deverá ser
objecto, para todo o sempre, não só do nosso total respeito, como também da
nossa mais profunda veneração, porquanto o seu sacrifício lhe veio outorgar, a
partir deste dia, a todos os títulos funesto, um lugar de honra no panteão dos
mártires da pátria que, lá do além onde se encontram, têm em nós continuamente
postos os olhos. O governo da nação, que aqui estou representando, soma-se ao
luto e ao desgosto de quantos conheceram a extraordinária figura humana que
acabámos de perder, e ao mesmo tempo assegura a todos os cidadãos e cidadãs [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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